Reconhecendo os tipos de
estimulação cardíaca
(sua
nomenclatura, indicações e sua identificação eletrocardiográfica).
Com o
envelhecimento populacional (que resulta em maior numero de implantes de
marca-passo cardíaco para tratamento de distúrbios de condução) e a indicação
mais frequente de cardiodesfibriladores implantáveis (CDI) para prevenção
primaria e secundaria de morte súbita, o cardiologista clinico precisa se
familiarizar com os termos usados pelos especialistas, com o funcionamento
destes "devices" (termo frequentemente usado para referir-se aos
dispositivos intracardiacos em publicações internacionais) e quanto às suas
principais complicações, que devem ser manuseadas por uma equipe de
especialistas, porém passa pelo cardiologista clinico o seu reconhecimento e
devido encaminhamento.
O marca-passo cardíaco, na realidade, é um SISTEMA composto de um
gerador ligado ao coração por um ou mais eletrodos. (Figura 1) O gerador nos
sistemas definitivos é constituído de uma fonte de energia, geralmente uma
bateria de Lítio/Iodo, mais um circuito eletrônico acondicionados em um
invólucro hermeticamente fechado de titânio ou outro metal bio-inerte (Figura 2).
Nos sistemas provisórios, o gerador estar envolto em material isolante, não
hávendo necessariamente contato deste com o corpo do paciente. (Figura 3) Os
eletrodos são filamentos condutores revestidos de material isolante, geralmente
silicone ou poliuretano, encarregados de levar ao marcapasso os sinais
elétricos correspondentes aos eventos intrínsecos do paciente e carrear na
outra direção as espículas geradas pelo aparelho. Na extremidade do eletrodo em
contato com o miocárdio existem dois pequenos anéis metálicos, o primeiro
situado bem na ponta e o segundo cerca de 2 cm mais atrás e que constituem os
pólos do eletrodo. (Figura 4)
Ao recebermos um
paciente portador de marca-passo temos, primeiramente, que identificar o tipo de
dispositivo que ele possui.
Os marca-passo hoje
disponíveis podem ser classificados conforme a tabela 1.
Tabela 1. Classificação dos tipos de marca-passo disponíveis hoje.
Para identificar os vários modos de estimulação atualmente disponíveis,
o North American
Society
of Pacing and Eletrophysiology (NASPE) e o British Pacing and Eletrophisiology Group
(BPEG) propuseram o seguinte código composto de 5 letras1:
1. Primeira letra - representa a câmara
estimulada:
A (átrio), V(ventrículo),
D(átrio e ventrículo) e O (nenhuma);
2. Segunda letra - indica a câmara
sentida: A, V, D ou O, ídem acima;
3. Terceira letra - demonstra o
comportamento do aparelho frente a um sinal intrínseco do paciente:
T (deflagra), I (inibe), D (deflagração e inibição)
e O (nenhum);
4. Quarta letra - indica as
capacidades de progamabilidade e se apresenta resposta em frequência:
P (programável), M (multiprogramável), R (com
resposta de freqüência), C (com telemetria) e O (nenhuma);
5. Quinta letra - indentifica a presença
ou não de funções antitaquicardia:
P (pacing), S (shock), D (pacing
+ shock) e O (nenhuma).
Na prática, raramente são utilizadas as duas últimas letras, pois,
presentemente, todos os marca-passos implantáveis são multiprogramáveis,
possuem resposta em frequência – um parâmetro que pode ou não ser ligado via
programação - e, apesar de alguns marca-passos efetivamente exibirem funções
antitaquicardia, essas atribuições estão concentradas nos modernos cardiodesfibriladores implantáveis (CDI’s).
Abaixo, os modos mais
frequentemente encontrados na prática clínica, o VVI e o DDD. Lembre-se que
como o eletrodo é situado no VD, o estímulo chega ao VE lentamente, fibra a
fibra, de modo que no ECG teremos,
comumente, PADRÃO de Bloqueio completo de ramo esquerdo. Dizemos PADRÃO
porque não temos um distúrbio na condução do ramo esquerdo, mas o impulso chega
atrasado ao lado esquerdo, gerando vetores de despolarização que simulam os que
ocorrem no BRE.
a) MODO
VVI:
Marcapasso unicameral que estimula e sente o ventrículo e se inibe na
presença de uma onda “R” (Figura 5). Esse tipo de estimulação não respeita a
atividade atrial quando esta existe podendo ocasionar em alguns paciente
sensação desagradável de pulsação no pescoço, dispnéia, pré-síncope e
intolerância aos esforços, quadro conhecido como Síndrome do Marcapasso. Deve ser reservado sua indicação para
pacientes sem atividade atrial como pacientes com fibrilação atrial, flutter
atrial e pacientes funcionalmente limitados.
a) Modo DDD: é um marca-passo bicameral que estimula e sente o átrio e o ventrículo,
deflagrando no ventrículo um determinado tempo após sentir o átrio e inibe a
liberação da espícula em ambas as câmaras quando sente o ventrículo (Figuras 6
e 7). Nem sempre no ECG identificamos duas espículas indicando haver dois
locais de estimulação (atrial, antecedendo uma onda P e ventricular,
antecedendo o QRS). Por vezes, quando a atividade atrial tem boa frequência, o
eletrodo atrial sente a onda P e se inibe, não havendo espícula antecedendo a
onda P (Figura 6). Nestes casos, de apenas uma espícula ventricular, para
avaliar se o gerador é DDD ou VVI, devemos avaliar se existe sincronia entre a
onda P e a espícula (ou seja, se a espícula segue sempre uma onda P). Se sim, é
porque tem um eletrodo no átrio sentindo a sua atividade elétrica e informando
ao gerador que só estimule o ventrículo após o tempo predeterminado na programação.
Se não existe sincronia, provavelmente é um VVI (a menos que haja uma disfunção
do eletrodo atrial). Se a atividade atrial tiver frequência menor que a
programada pelo marca-passo, haverá uma espícula atrial e uma ventricular,
quando é facilmente reconhecido como DDD.
Indicações2:
Seguem as indicações
para MP definitivo, conforme a SBC em suas recomendações de 2000 (ainda sem
nova versão).
A indicação mais
frequente para MP definitivo é o Bloqueio atrioventricular do 3º grau (BAVT).
De uma forma geral, está indicado nos pacientes com a forma irreversível, seja
primária ou secundária, sintomática ou não. Abaixo as classes de recomendação.
Não existe nível de evidencia por ser o BAVT um evento grave e fatal se não
tratado.
A)
BAVT
Classe I –
1) Bloqueio
atrioventricular total (BAVT) permanente ou intermitente, irreversível, de
qualquer etiologia ou localização, com sintomas definidos de baixo débito
cerebral e/ou insuficiência cardíaca, consequentes à bradicardia;
2) BAVT
assintomático, consequente a infarto agudo do miocárdio, persistente por mais
de 15 dias;
3) BAVT
assintomático, consequente a cirurgia cardíaca, persistente por mais de 15
dias, com QRS largo;
4) BAVT
assintomático, consequente a cirurgia cardíaca, persistente por mais de 15
dias, com QRS estreito e ritmo de escape infranodal;
5) BAVT
assintomático, irreversível, de localização intra ou infra-His, ou com ritmo de
escape infra-His;
6) BAVT
assintomático, irreversível, mesmo com QRS estreito, com arritmias
ventriculares que necessitem de ntiarrítmicos depressores do ritmo de escape;
7) BAVT adquirido,
irreversível, assintomático, com frequência cardíaca média inferior a 40bpm na
vigília e sem aceleração adequada ao exercício;
8) BAVT irreversível, assintomático, com
períodos documentados de assistolia acima de 3 segundos na vigília;
9) BAVT
irreversível, assintomático e com cardiomegalia progressiva;
10) BAVT congênito,
assintomático, com ritmo de escape de QRS largo (superior a 120ms) ou com
frequência cardíaca inadequada
para a idade;
11) BAVT adquirido, assintomático, de etiologia chagásica ou
esclerodegenerativa;
12) BAVT
irreversível, permanente ou intermitente, conseqüente à ablação da junção
atrioventricular.
Classe II –
1) BAVT conseqüente
a cirurgia cardíaca, assintomático, persistente após 15 dias, com QRS estreito
ou ritmo de escape
nodal e boa resposta cronotrópica;
2) BAVT consequente
a cirurgia cardíaca ou infarto agudo do miocárdio, sem perspectiva de reversão;
3) BAVT congênito,
com QRS estreito, aceleração adequada ao exercício e sem cardiomegalia, mas com
arritmia ou QT longo.
Classe III –
1) BAVT congênito,
assintomático, com QRS estreito, com aceleração adequada ao exercício e sem
cardiomegalia,
arritmia ou QT longo;
2) BAVT transitório
por ação medicamentosa ou química, processo inflamatório agudo, cirurgia
cardíaca ou outra causa reversível.
B)
BLOQUEIO ATRIOVENTRICULAR DO 2º GRAU
Classe I –
1) Bloqueio
atrioventricular (BAV) 2º grau, permanente ou intermitente, irreversível ou
causado por drogas necessárias e
insubstituíveis, independentemente do tipo e localização, com sintomas
definidos de baixo fluxo cerebral e/ ou insuficiência cardíaca, conseqüentes à
bradicardia;
2) BAV 2º grau, tipo
II, com QRS largo ou infra-His, assintomático, permanente ou intermitente e
irreversível;
3) Flutter ou
fibrilação atrial, com períodos de resposta ventricular baixa, em pacientes com
sintomas definidos de baixo fluxo cerebral e/ou insuficiência cardíaca
conseqüentes à bradicardia.
Classe II –
1) BAV 2º grau
avançado, adquirido, assintomático, permanente ou intermitente e irreversível;
2) BAV 2º grau, tipo
II, com QRS estreito, assintomático, permanente ou intermitente e irreversível;
3) BAV 2º grau 2:1,
assintomático, permanente ou intermitente e irreversível;
4) BAV 2º grau 2:1,
com QRS estreito, assintomático, persistente após 15 dias de cirurgia cardíaca
ou infarto agudo do miocárdio;
5) BAV 2º grau
irreversível, assintomático, associado a arritmias ventriculares que necessitam
de tratamento com fármacos insubstituíveis, depressores da condução
atrioventricular;
6) Flutter ou
fibrilação atrial, assintomático, com frequência ventricular média inferior a
40 bpm na vigília, irreversível ou por uso de fármaco necessário e
insubstituível.
Classe III –
1) BAV 2º grau tipo
I, assintomático, com aumento da frequência cardíaca e melhora da condução
atrioventricular com exercício e/ou atropina intravenosa.
C)
Bloqueios intraventriculares
Classe I –
1)
Bloqueio de ramo alternante com síncopes, pré-síncopes ou tonturas
recorrentes.
Classe II –
1) Bloqueios intraventriculares
com intervalo HV igual ou superior a 70ms ou com bloqueio intra ou infra-His
induzido por estimulação atrial e/ou teste farmacológico, em pacientes com
síncopes, pré-síncopes ou tonturas recorrentes sem causa determinada;
2) bloqueios intraventriculares
em pacientes assintomáticos com intervalo HV igual ou superior a 100ms;
3) bloqueio
bifascicular, associado ou não a BAV de 1º grau, com episódios sincopais sem
prova da existência de BAVT, paroxístico, tendo sido afastadas outras causas
para os sintomas;
4) bloqueio de ramo
alternante, assintomático.
Classe III –
1) Bloqueios uni ou
bifasciculares, assintomáticos, de qualquer etiologia.
d) Doença do nó
sinusal
Classe I –
1) Disfunção do nó
sinusal, espontânea ou induzida por fármacos necessários e insubstituíveis, com
síncopes, pré-síncopes ou tonturas e/ou insuficiência cardíaca relacionadas à
bradicardia;
2) síndrome
bradi-taqui.
Classe II –
1) Disfunção do nó
sinusal, irreversível ou induzida por fármacos necessários e insubstituíveis,
com sintomas de baixo fluxo cerebral não claramente relacionados com a
bradicardia, tendo sido afastadas outras causas para os sintomas;
2) disfunção do nó
sinusal, com intolerância aos esforços claramente relacionada à incompetência
cronotrópica;
3) bradiarritmia
sinusal que desencadeia ou agrava insuficiência cardíaca congestiva, angina do
peito ou taquiarritmias; 4) bradi-taquiarritmia assintomática.
Classe III –
1) Disfunção do nó
sinusal em pacientes assintomáticos;
2) disfunção do nó
sinusal com sintomas comprovadamente independentes da bradicardia.
D)
Síncopes recorrentes de origem desconhecida
Classe I – Nenhuma.
Classe II –
1) Síncopes em
pacientes nos quais se demonstra intervalo HV igual ou superior a 70ms ou se
induz BAV paroxístico de
2º ou 3º graus, de localização intra ou infra-His, por estimulação atrial ou
teste farmacológico.
Classe III –
1) Síncopes em
pacientes nos quais não se consegue atribuir origem cardíaca aos sintomas.
É isso.... até a próxima postagem:
Principais alterações relacionadas ao funcionamento
dos marca-passos (falhas de sensibilidade, de comando, desgaste,
interferências) e recomendações para o seu
manuseio.
Referências:
2. ANDRADE, José Carlos S. et al.
Diretrizes para o implante de
marca-passo cardíaco. Arq. Bras. Cardiol. [online]. 2000, vol.74,
n.5, pp. 475-480.