Principais
alterações relacionadas ao funcionamento dos marca-passos
(falhas de
sensibilidade, de comando, desgaste, interferências)
e recomendações para o seu manuseio.
O mundo
evolui rapidamente e com a modernidade advém ambientes altamente automatizados
de modo que os estímulos e interferências externas são inúmeros, não sendo
possível criar um sistema completamente protegido contra todos estes estímulos externos.
Assim é fundamental ao cardiologista conhecer as principais interferências e
alterações relacionadas ao seu funcionamento, de modo a compreender a sua
gravidade e quando referenciar a uma emergência ou não o paciente para uma
análise do seu funcionamento por um especialista em marca-passo.
Falhas de sensibilidade
São falhas do sense
do gerador do marca-passo, as quais ‘falham’ seja por não sentir uma atividade
elétrica intrínseca do coração (onda P, QRS ou onda T) ao que chamamos UNDERSENSING ou por ‘sentirem’ de forma
inapropriada (exagerada) ao que é chamado OVERSENSING.
UNDERSENSING VENTRICULAR
Marcapasso Dupla Camara em Modo VVI
apresentando falha de Sensibilidade no Canal Ventricular.
Undersensing do canal atrial
OVERSENSING
Falhas de comando e desgaste do gerador
As falhas de captura são decorrentes da ausência de
estimulação atrial ou ventricular pelo marca-passo, seja por ausência da
liberação de energia (comum nos desgastes extremos de gerador ou fraturas de
eletrodo) ou por liberação de energia com geração da espícula ao ECG, porém não
associada a atividade elétrica atrial ou ventricular (espícula não seguida de P
ou QRS), nestes casos pode ser secundária a deslocamento de eletrodo ou
desgaste parcial.
Falha de comando
ventricular (MP VVI) por deslocamento de eletrodo.
De uma forma geral,
se manifestam por tontura, pré-síncope ou síncope e podem induzir o surgimento
de taquiarritmias bradicardia dependentes, como FA ou TV.
Interferências
Todo gerador de marca-passo é protegido contra sinais de interferência
em alta frequência, por meio de sua cápsula metálica e por capacitores de
filtro localizados em sua estrutura arquitetônica, que se encarregam de atenuar
as interferências. A proteção contra sinais de interferência em baixa frequência
é conseguida por meio de circuitos eletrônicos, que fazem do gerador um sistema
assíncrono, durante o intervalo em que persiste a influência da fonte de
interferências.
O mecanismo de funcionamento das fontes de interferências é basicamente
o mesmo: se a voltagem entre os terminais do gerador de marca-passo atinge ou
ultrapassa um determinado nível, os circuitos de tempo do sistema de marca-passo
são influenciados, mudando seu comportamento.
Se a interferência é identificada como tal, o gerador passa a funcionar
no chamado "modo de interferência", o que significa estimulação
assíncrona.
Se o sinal não for reconhecido como interferência, o circuito de
sensibilidade o tratará como um sinal de origem cardíaca, podendo o gerador
tornar-se síncrono (VVT, AAT, VAT) provocando ritmos competitivos (os quais
podem induzir a taquicardias) ou então inibir-se (VVI, AAI, DVI, DDD), o que
poderá gerar assistolias em pacientes dependentes do marca-passo implantado.
Eventualmente pode ocorrer a chamada programação fantasma do
gerador, que é a mudança imprevista de parâmetros do marca-passo por fonte de
interferência.
As três possibilidades acima são indesejáveis e podem ser provocadas,
tanto pelo uso de equipamentos médico-hospitalares (como o eletrocautério ou o
sistema de ressonância magnética), quanto por motores elétricos industriais,
equipamentos de solda elétrica ou até ocasionalmente por eletrodomésticos e
ferramentas elétricas de uso doméstico.
Exemplos de interferências:
a)
Equipamentos
de eletrocirurgia, se
utilizados em regiões vizinhas à trajetória do cabo-eletrodo, podem até induzir
ritmos de fibrilação na câmara cardíaca acoplada ao marca-passo artificial. b) Aparelhos deficientemente aterrados, nas chaves de controle de eletrodomésticos, aparelhos de rádio ou televisão, teclados de computador ou painéis de elevadores. Na prática médica qualquer sistema para estimulação neural ou muscular, eletrocauterização ou coagulação bem como acupuntura elétrica são exemplos de fontes galvânicas que podem interferir com a função do marca-passo artificial.
A aplicação médica de
qualquer fonte de energia elétrica, em pacientes portadores de marca-passo, deve ser sempre acompanhada de monitoração
eletrocardiográfica. Se
interferências no sistema de estimulação forem detectadas, os instrumentos
eletromédicos em uso deverão ser imediatamente submetidos à inspeção e correção
em suas ligações de aterramento, além de procurar um reposicionamento do
eletrodo indiferente do aparelho utilizado, deixando-se o eixo dos eletrodos da
estimulação cardíaca livre de interferências, além de reprogramar-se o gerador
de marca-passo ou até mantê-lo sob ímã.
c)
Campos
magnéticos encontrados em regiões próximas a condutores de altas correntes como
fornos siderúrgicos ou equipamentos de solda elétrica, barbeadores elétricos
mal condicionados, alarmas anti-furto, detectores de metais em aeroportos e em
sistemas de segurança com identificação magnética. Se o campo magnético for modulado, ele poderá eventualmente não ser reconhecido como interferência e portanto, sincronizar ou inibir o gerador de estímulos.
d) Sinais eletromagnéticos que devem ser tratados com maior cuidado em sua aplicação estão na faixa de 500 MHz, que é precisamente a banda na qual se compõem na prática médica os tratamentos por diatermia (434 MHz). Tais terapias, se indicadas a portadores de marca-passo, deverão ser conduzidas sempre sob monitoração eletrocardiográfica. Aplicações de ondas curtas (27 MHz) podem eventualmente, não ser identificadas como fontes de interferência pelo circuito de sensibilidade do marca-passo, inibindo ou sincronizando o gerador de pulsos, dependendo do seu modo de operação.
e) Radiações em microondas com potência de até 200 W, como é o caso do forno doméstico de microondas, não afetam de forma significativa o comportamento elétrico de geradores de marca-passo, podendo afetá-los do ponto de vista da dissipação e absorção da energia térmica induzida.
f) O ímã (campo magnético típico de 2mT) sobre a loja do gerador de marca-passo, numa frequência em torno de 1Hz, pode provocar a inibição (ou a sincronização) do sistema, o que ocorre porque a reed switch é ciclicamente ativada, provocando em alguns marca-passos um sinal elétrico não identificado como interferência. Situações análogas podem ser encontradas na operação de máquinas operatrizes portáteis (furadeiras, lixadeiras, etc.), onde a corrente de partida da ordem de 20A e durante 5ms é suficiente para influenciar a reed switch.
g) Radiações ionizantes em níveis utilizados pelos métodos diagnósticos não são preocupantes, porém radiações em doses terapêuticas para tratamento de neoplasias, pelo fato de serem cumulativas, via de regra devem ser consideradas como importante fator de risco a comprometer a confiabilidade do marca-passo em exposição.
Os
radares policiais, os detectores portáteis de metais (em aeroportos ou em
sistemas de segurança), os dispositivos de ultrassom, os controles remotos (como
os de aparelhos de TV e congêneres) ou os telefones sem fio não afetam o
comportamento de marca-passos cardíacos.
1) Eletrocauterização, cardioversão e eletrochoque
Podem ocasionar uma descarga elétrica possa ser acoplada por meio do
marcapasso diretamente à junção eletrodo-coração, provocando queimaduras,
arritmias ou injúrias que aumentem o liminar de estimulação ou alterem as
condições de sensibilidade do sistema de marca-passo.
·
Os eletrodos
ou terminais de aplicação de
corrente do instrumento eletromédico devem ser posicionados sempre o mais distante possível do sistema de marca-passo
(no mínimo de 20 a 30 cm). Além
disso, a trajetória principal de corrente, definida pela linha imaginária entre os
dois pólos do instrumento eletromédico não
deverá cruzar o eixo elétrico da estimulação cardíaca, definido pela linha
imaginária entre os dois pólos do marca-passo.· Na cardioversão e desfibrilação, as pás devem ser aplicadas em posição ântero-posterior (em vez de se procurar um posicionamento anterior direita/esquerda), o que minimiza a possibilidade de aplicação da descarga elétrica diretamente sobre o gerador de marca-passo, bem como a aplicação de corrente elétrica diretamente sobre a trajetória do cabo-eletrodo do sistema de marca-passo.
· Se for indicado ao paciente um procedimento cirúrgico que requeira o uso de eletrocauterizador, um cardiologista deverá ser consultado com relação ao grau de dependência do paciente à estimulação cardíaca artificial. Eventualmente, deve-se reprogramar o sistema de marca-passo no seu modo de operação (por exemplo, para VOO ou VTI), em sensibilidade, frequência, etc., dependendo do modelo do marca-passo e dependência do paciente. Em marca-passos não programáveis, pode-se aplicar o ímã para reverter o sistema para o modo assíncrono (frequência magnética).
· Equipamento dentário – alguns modelos de curetas dentárias com ultrassom podem causar inibição transitória pela proximidade do instrumento com o gerador. As brocas dentárias podem causar vibrações suficientes para aumentar a frequência no caso dos marca-passos com modulação de frequência. Durante o procedimento alguns cuidados podem ser tomados, como a utilização intermitente, não apoiar os instrumentos sobre o gerador e desprogramar a modulação de frequência.
· Colchão magnético – está contraindicado por haver a possibilidade do imã atuar sobre o gerador, levando a reversão para o modo assincrônico, mudando sua frequência para magnética e podendo levar à competição e a arritmias.
· Cortador de grama, furadeiras, barbeadores elétricos, vibradores de massagem – as vibrações podem ativar alguns biodetectores e originar miopotenciais, levando a uma aceleração inapropriada. Interruptores ativados por contacto digital (televisores, elevadores) – podem inibir transitoriamente durante o contacto, mas sem repercussão clínica.
· Telefone – os telefones ligados à rede não produzem IEM. Pequenos estudos têm demonstrado que a interferência nos telefones celulares ocorrem com os telefones digitais, enquanto que os análogicos não sofrem interferência. Entretanto alguns estudos têm mostrado ser seguro o uso do telefones digitais. Podem levar à inibição inapropriada do estímulo, estimulação inapropriada do batimento estimulado, reversão para modo assincrônico, ativação inapropriada do “cross talking”, mudança para outro modo de estimulação e mudanças na frequência de estimulação. Essas alterações são temporárias. As interferências são maiores com os marca-passos de dupla câmara do que com os de câmara única. O uso do telefone celular na posição normal (no ouvido) esteve associado a menor incidência de interferência em relação às outras posições e não resultou em nenhuma interferência clínica. Deve-se evitar colocar o telefone sobre o marca-passo e quando ligado não deve ser colocado no bolso próximo ao gerador. De preferência deve-se usar no ouvido do lado oposto ao do gerador e manter sempre uma distância de pelo menos 30cm.
MIOPOTENCIAIS
Os
miopotenciais são potenciais elétricos dos músculos esqueléticos que podem
interferir com o adequado funcionamento do marca-passo, usualmente causando sua
inibição, que é mais frequente nos sistemas unipolares do que nos bipolares.
As
fontes musculares de miopotenciais são geralmente o grande peitoral, o reto
anterior do abdome, o diafragma e os músculos intercostais. O músculo grande
peitoral é considerado como a principal fonte de miopotenciais. O reto anterior
do abdome pode interferir na função dos marca-passos independente de sua
implantação ser no abdome ou tórax. Pode levar a sintomas de tonteiras durante
mudanças posturais.
Alguns
testes provocativos de miopotenciais podem ser feitos: empurrar a palma da mão
contra a mão do observador ou contra o tórax, apertar uma mão contra a outra,
bater palmas, hiper-abdução do braço ipso-lateral, inspiração profunda, manobra
de Valsalva, tossir, etc.Em alguns casos os miopotenciais podem ser observados durante o exercício e podem ser reproduzidos durante teste ergométrico, assim como também durante a monitorização ambulatorial (Holter).
Tratamento da interferência por miopotenciais – a mudança do sistema unipolar para o bipolar seria um tratamento definitivo, mas que pode envolver uma nova pequena cirurgia com troca de eletrodos.
2. MONTEIRO-FILHO MY. Interferências nos marcapassos cardíacos. Revista Brasileira de Cardiologia/Revista da SOCERJ. 2002;15(2):94-101. Disponível em:< http://www.rbconline.org.br/artigo/interferencias-nos-marcapassos-cardiacos/>.
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