O conhecimento científico é produzido pela investigação científica, através de seus métodos e surge não apenas da necessidade de encontrar soluções para problemas de ordem prática da vida diária, mas do desejo de fornecer explicações sistemáticas que possam ser testadas e criticadas através de provas empíricas.
A varfarina foi descoberta no Canadá e nos Estados Unidos, no início do século XX, onde agricultores do norte dos dois países começaram a cultivar Trevo-de-Cheiro (Melilotus officinalis) importado da Europa. Além de ser uma planta com bom potencial nutricional os agricultores perceberam que quando ingerida pelo gado provocava hemorragias espontâneas. Em 1921, Schofield, veterinário, associou a doença ao consumo de forragem de Trevo-de-Cheiro estragado. Sabia-se que a planta fresca continha cumarina, que não era patogênica, porém, a causa da hemorragia foi descoberta. Karl Paul Link e os seus colaboradores em 1940, explicando que a cumarina é oxidada a 4-hidroxicumarina, reagindo com o formaldeído formando o dicumarol, um anticoagulante, sendo este o responsável pela presença da doença. O dicumarol foi patenteado e usado terapeuticamente como anticoagulante em 1941. Em 1946, Link dedicou-se a novos estudos para o desenvolvimento de anticoagulantes orais. Num trabalho de controle de roedores descobriu que o dicumarol era um raticida fraco, sendo o 3-(2-acetil-1-feniletil)-4-hidroxicumarina o mais potente. Os direitos de patente foram atribuídos à fundação que financiou o trabalho, WARF (Wisconsin Alumni Research Foundation), que derivou o nome warfarin, sendo WARF + cumarin. Desde então, a Varfarina é o tratamento de eleição para anticoagulanção oral de longo prazo.
Apenas depois de mais de meio século novas substâncias com potência equiparada à da warfarina e eficácia similar com taxas de sangramento iguais ou discretamente elevadas surgiram e foram testadas em seres humanos. Assim, surgiram os inibidores diretos da Trombina e do Fator Xa, respectivamente o dabigatran e o rivoraxaban, epixaban e edoxaban.
Atualmente, temos disponíveis no Brasil, o Dabigratan e o RIvoraxaban, ambos aprovados pela Anvisa para uso no País. Porém a autorização é limitada para PREVENÇÃO DE AVC na FA e PREVENÇÃO DE TVP em cirurgias ortopédicas de grande porte (Quadril). Vários são os estudos em andamento para avaliar a EFICÁCIA E SEGURANÇA do seu uso em outras situações, mas devemos esperar o seu término para mudarmos nossas condutas.
É importante um conceito médico antigo: PRIMUM NON NOCERE. Portanto, diante da falta de evidências do seu benefício e dos alertas do FDA sobre mortes por sangramento com DABIGATRANhttp://www.medscape.com/viewarticle/754953 (primeiro lançado no mercado e de maior experiência clínica no mundo até o momento), melhor seguir com cautela quanto à troca da warfarina pelos novos anticoagulantes, especialmente nos pacientes cuja anticoagulação está estável, naqueles de baixo risco de sangramento e, principalmente, nos pacientes cuja indicação do uso de anticoagulação ainda não foi aprovada pela falta de informações científicas.
Abaixo, os nomes comerciais, posologias recomendadas e apresentações farmacêuticas disponíveis no Brasil.
Droga | Nome comercial | Laboratório | Apresentação | Aprovação pela ANVISA |
Dabigatran | Pradaxa® | Boehringer | Cápsulas 75mg 110mg e 150mg | - Prevenção de AVC em FA - Prevenção de TEV em pacientes submetidos a cirurgia ortopédicas de grande porte |
Rivaroxaban | Xarelto® | Bayer | Comp 10mg Comp 20mg e 15mg | - Prevenção de TEV em pacientes submetidos a cirurgia ortopédicas de grande porte - Prevenção de acidente vascular cerebral (AVC) e embolia sistêmica em pacientes com fibrilação atrial (FA) |
Apixaban | Eliquis® | Bristol | Comp 2,5mg | - Prevenção de TEV em pacientes submetidos à cirurgia ortopédicas de grande porte. |
Enquanto isso, a warfarina ainda é o tratamento de eleição para os pacientes de alto risco de TEP por imobilização por doença clínica ou outros procedimentos cirúrgicos que não ortopédicos, portadores de prótese valvar metálica, FA em pacientes com prótese valvar de qualquer tipo, trombo de VE, tratamento de TEP e TVP. Manusear de forma adequada a warfarina e esclarecer o paciente e seus familiares quanto à necessidade de uso continuada, regular, sempre no mesmo horário e da importância do controle do INR, ensinando-os o significado do seu resultado, bem como a faixa terapêutica alvo são as medidas mais importantes para reduzir o risco de sangramento.
Abaixo, relaciono o ajuste recomendado da dose de warfarina conforme a faixa do INR:
Valor do INR | AJUSTE SUGERIDO |
3,5 – 5,0 | Reduzir a dose do warfarin em 50% Novo INR em 3-4 dias. |
5,0 – 10,0 Sem sangramento Com sangramento NÃO GRAVE Com sangramento GRAVE | Suspender Warfarin Vitamina K[1] oral 1mg a 2,5mg INR em 24h e nova dose de vitamina K se ainda acima de 5,0, com INR diário até Reiniciar warfarin quando INR na faixa terapêutica, com redução proporcional da dose. Idem ao anterior, porém fazer vitamina K cada 12 h e INR diário. Corrigir conforme abaixo |
> 10 Sem sangramento Com sangramento não grave | Vitamina K 2,5mg a 5,0mg cada 12 h e INR diário, até INR < 5,0. Parar vitamina K. Reiniciar warfarina quando INR na faixa, com dose proporcional à redução do INR desejado. Vitamina K 2,5mg a 5,0mg cada 8 - 12 h e INR 12/12h, até INR < 5,0. Parar vitamina K. Reiniciar warfarina quando INR na faixa, com dose proporcional à redução do INR desejado. |
Sangramento grave, independente do INR | Vitamina K 10mg EV lento. Plasma fresco 6/6h ou concentrado protrombínico nos pacientes com restrição de volume, conforme a gravidade do sangramento. INR de 12/12h até INR < 5,0 INR < 5,0 e sem sangramento ativo, parar vitamina K e INR diário até na faixa terapêutica. Reiniciar warfarin na dose menor, proporcional à redução desejado do INR. |
Nota: Vitamina K no Brasil é vendida para uso oral apenas na formulação pediátrica de KANAKION® pediátrico, ampola de 0,5ml/2mg. A única vitamina K disponível para uso EV é a KANAKION® MM, ampola 1ml/10mg. Ambas podem ser feitas por via oral. As demais ampolas de vitamina K são oleosas e devem ser usadas por via IM, contudo devem ser evitadas em pacientes com INR alargado, pelo risco de hematoma muscular.
Espero ter ajudado e aguardo contribuições.
Ate a próxima postagem,
Marcia Cristina
Não sabia que a senhora tinha um blog, muito bom, ajuda muito nós estudantes que estamos começando agora, e os mais experientes também...
ResponderExcluirRafa (E1)
Obrigada Rafa pelo incentivo. O objetivo é este: aprendermos e compartilharmos o que sabemos. Só assim crescemos como pessoa e como profissionais.
ExcluirMarcia Cristina
Parabéns Marcia Cristina! Bom trabalho.
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