domingo, 13 de março de 2011

Discutindo o uso de clopidogrel

 O artigo acima é mais uma tentativa de reduzir a complicação mais temida do uso de stents: a trombose. Várias estratégias têm sido propostas no sentido de reduzir esta grave complicação. Inicialmente o CREDO (JAMA. 2002;288(19):2411-20) testou a hipótese de uso de dose de ataque de clopidogrel 3 a 24 h antes do implante de stent e sua influencia na reduçao de endpoints combinados de morte, infarto e revascularização do vaso tratado em 30 dias, comparando com placebo. Seus achados não mostraram qualquer diferença significativa. Contudo, houve forte tendência à redução com o uso de clopidogrel após 6 h, sendo o maior benefício naqueles que fizeram uso há mais de 15 horas (redução do risco absoluto de 6,2% => 3.5% versus 9.7%). Análises posteriores de eficácia mostraram o porque da diferença de resultados: a inibição plaquetária de 50% ou mais foi obtida apenas 4 a 8 h após a dose de 300 mg. (J Am Coll Cardiol. 2006;48(5):931-8; J Am Coll Cardiol. 2004;44(11):2133-6). Resultados um pouco melhores foram descritos em dois outros estudos: o PCI-Cure (Lancet 2001;358:527–533) e o CLARITY (N Engl J Med 2005;352:1179–1189), contudo, todos cofirmaram o retardo do inicio de ação do clopidogrel. Isto se deve ao fato do clopidogrel ser um fármaco inativo, que precisa de duplo passagem pelo fígado para liberação de sua forma ativa. Por este motivo, a dose de 300mg exige um retardo de pelo menos 6 h para a realização da ATC.
Contudo, nos pacientes com SCA SSST de alto risco e com IAM SST, não temos 15 h ou mais para esperar. Assim, novos estudos têm proposto a dose de 600 mg (e alguns já 900 mg e 1200 mg) após demonstração da eficácia desta dose que resulta em maior redução e obtenção de redução máxima da agregação plaquetária 2 horas após o uso, logo de forma mais precoce que a dose de 300mg (Circulation. 2005;111(20):2560-4; J Am Coll Cardiol. 2004;44(11):2133-6; J Am Coll Cardiol. 2006;48(5):931-8;  J Am Coll Cardiol. 2006;48(7):1339-45). Também parece reduzir a possibilidade de resistência ou menor efeito nos pacientes em uso de drogas que são metabolizadas pelo citocromo CYP3A4 (J Am Coll Cardiol. 2005;45(9):1392-6; J Am Coll Cardiol. 2006;48(5):931-8; Circulation. 2003;108(18):2195-7).
 As doses de 900 mg e 1200 mg apesar de estarem relacionados a maior agregação plaquetária, não demonstraram redução adicional na ocorrência de eventos clínicos (Eur Heart J. 2008;29(12):1495-503; Eur Heart J. 2008;29(12):1475-77J Am Coll Cardiol. 2010;56(7):550-7). Portanto, até o momento, a recomendação é fazer clopidogrel na sala de emergência:
- Nos pacientes com SCA SST tratados com trombólise química (300 mg se < 75 anos e 75mg se > ou = 75 anos) ou mecânica (600 mg);
- Nos pacientes com SCA SSST de alto risco conforme o TIMI RISK, em que a estratégia invasiva será realizada com > 6h, clopidogrel 300 mg.
- Nos pacientes com SCA SSST de alto risco que serão estudados em < 6 horas (dada a gravidade do quadro), clopidogrel 600 mg.
- Nos demais, após estratificação não invasiva, se for indicativa de cine e esta mostrar lesão passivel de ATC, clopidogrel sem dose de ataque, 1 semana antes do procediemento.

Vamos lá... aguardo comentários!

Marcia Cristina 

quarta-feira, 9 de março de 2011

Bem Vindos....

Iniciamos hoje as atividades deste Blog. Esperamos que seja mais uma ferramenta de discussão, aprendizagem e partilha de informações, casos clínicos interessantes, tomadas de decisões, mas também de sentimentos no lidar do paciente cardiopata. O dia a dia do cardiologista está cada vez mais atribulado e permanecer atualizado requer tempo e disponibilidade para estudar. Assim, espero tornar este tempo agradável. Fiquem à vontade para opinar, discutir e dividir.
Abaixo minha primeira contribuição.

Coleções Clínicas - Doença Arterial Coronária / Prevenção
 
Alta dose de manutenção de clopidogrel promove maior inibição plaquetária, vasodilatação e diminuição da inflamação em pacientes submetidos a ICP


Autor: Dra. Fernanda Seligmann Feitosa
Revisado por: Dr. Bruno Paolino

Referência: Patti G et al. High Versus Standard Clopidogrel Maintenance Dose After Percutaneous Coronary Intervention and Effects on Platelet Inhibition, Endothelial Function, and Inflammation. Results of the ARMYDA-150 mg (Antiplatelet Therapy for Reduction of Myocardial Damage During Angioplasty) Randomized Study. J Am Coll Cardiol, 2011; 57:771-778

Resumo: Este estudo avaliou o uso de altas doses de manutenção de clopidogrel (150mg/d), em comparação à dose padrão (75mg/d), em pacientes submetidos a intervenção coronária percutânea (ICP). Foi demonstrado que os pacientes que utilizaram clopidogrel em dose dobrada tiveram maior inibição plaquetária, maior vasodilatação e menores valores de proteína C-reativa (PCR), em comparação aos que usaram a dose padrão. Entretanto, não foram avaliados no estudo os benefícios clínicos desta estratégia, ou seu perfil de segurança.
Objetivos: Comparar o efeito de altas doses de manutenção de clopidogrel em comparação à dose padrão na inibição plaquetária, inflamação e função endotelial dos pacientes submetidos a ICP.

Métodos: Um mês após a intervenção (T0), os 50 pacientes do estudo foram randomizados para receber dose padrão (75mg/dia) ou dose alta (150mg/dia) de clopidogrel de manutenção por 30 dias (T1). Neste momento, foi realizado um cruzamento (cross-over) dos grupos e mantido o novo tratamento por mais 30 dias (T2). A reatividade plaquetária (avaliada pelo método VerifyNow®), a função endotelial (avaliada pela vasodilatação mediada pelo fluxo) e os níveis de PCR ultrasensível foram mensurados nos 3 momentos do estudo (T0, T1 e T2).

Resultados: Os pacientes que estavam recebendo dose alta de clopidogrel (150mg/dia) obtiveram maior inibição plaquetária em comparação ao grupo que estava recebendo dose padrão (50 ± 20% vs 31 ± 20%, respectivamente; p < 0,0001), além de maior vasodilatação (16,9 ± 12,6% vs 7,9 ± 7,5%, respectivamente; p=0,0001), e menores níveis de PCR (3,6 ± 3,0mg/l vs 7,0 ± 8,6mg/l, respectivamente; p=0,016). O uso de clopidogrel em dose alta também foi associado a menor proporção de pacientes com hiperagregabilidade plaquetária (>240 PRU) (12% vs 32%; p=0,001). Houve ainda diminuição na porcentagem de pacientes com taxa de vasodilatação <7% (16% vs 58%; p = 0,0003), e na porcentagem de indivíduos com PCR > 3 mg/l (46% vs 64%; p = 0,07).

Conclusões: Para pacientes submetidos a ICP, a dose de manutenção de clopidogrel de 150mg foi associada a maior inibição plaquetária, melhora da função endotelial e redução da inflamação, em comparação com a dose padrão da medicação (75mg/dia).

Perspectivas: Pacientes submetidos a ICP devem receber antiagregação plaquetária dupla por pelo menos 1 mês após implante de stent convencional e 12 meses após implante de stent farmacológico, a fim de diminuir o risco de trombose de stent e de eventos cardiovasculares. Sabe-se que alguns pacientes (cerca de 5 a 30% da população) podem ser hiporrespondedores ao clopidogrel, o que aumenta a chance de eventos adversos. Uma das estratégias propostas para diminuir este risco é o aumento da dose do clopidogrel, a fim de aumentar a inibição plaquetária nesta população de pacientes. Dados prévios sugeriam que o clopidogrel, além dos efeitos antiplaquetários, apresenta também inúmeras ações biológicas. O estudo publicado no JACC foi o primeiro a testar os efeitos pleiotrópicos do clopidogrel de manutenção em dose dobrada. Ele demonstrou que os pacientes em uso de 150mg apresentaram maior inibição plaquetária, maior vasodilatação e menores valores de PCR em comparação aos pacientes em uso de dose padrão. Estas ações podem ter papel relevante nos efeitos benéficos do clopidogrel e podem fornecer evidências para o uso de doses de manutenção maiores em pacientes selecionados.

Entretanto, a grande limitação deste estudo foi não ter avaliado eventos clínicos, como taxas de mortalidade, infarto e trombose de stent. Também não foi avaliada a segurança desta estratégia, já que altas doses de clopidogrel podem levar a aumento de sangramentos. Portanto, ficou demonstrado que o uso de clopidogrel em dose de manutenção de 150mg tem bons efeitos biológicos. Entretanto, se estes efeitos se traduzem em benefício clínico, com bom perfil de segurança, ainda é desconhecido.

Fonte: http://cientifico.cardiol.br/cardiosource2/doenca-art-coronaria/int_artigo30.asp?cod=234.

Marcia Cristina A. Silva