domingo, 4 de setembro de 2011

Avaliação de risco do idoso assintomático.

Nossa... quanto tempo!
Muita chuva passou desde a última postagem.
Nestes dias me encaminharam um paciente de 78 anos, branco, viúvo do primeiro casamento, casado recentemente pela segunda vez, ainda trabalhando (faz entregas de bolos confeccionados por sua atual esposa nas padarias da cidade), natural e procedente de Recife.
HAS, assintomático do ponto de vista cardiovascular, encaminhado por seu Geriatra para uma avaliação cardiovascular de rotina (Check up) pois nunca o havia feito.
Hábitos de vida saudáveis, caminha diariamente de segunda a sábado (5Km/1h) e faz exercícios supervisionados na academia da cidade 2ª, 4ª e sexta-feira após as caminhadas. Nega tabagismo, etilismo, uso de drogas ilícitas atualmente ou no passado. Nega outras patologias.
Usa: Enalapril 20mg/dia e HCZ 25mg/d.
Exame físico normal, exceto por circunferência abdominal de 98cm/Peso de 88Kg (Altura 1,70). PA em ambos os braços 140x80mmHg e FC – 72bpm.
Fiquei olhando o paciente, a esposa e os dois filhos que o acompanharam (do primeiro casamento), pensando o que responder.
a)   Muito bem, senhor. Parabéns seu estado de saúde é excelente. Sua pressão está normal. O senhor mantenha o seu controle pressórico com o Geriatra, pois seu risco cardiovascular é baixo e não se faz necessário nenhuma avaliação adicional.
b)  Parabéns senhor, continue assim. Mas, para complementar a sua avaliação de risco cardiovascular – até aqui moderado, afinal foi para isso que o senhor veio aqui, vou solicitar um ECG, o ITB e os exames laboratoriais de rotina para HAS conforme orientação da SBC, além de um TSH.
c)   Veja bem senhor. O check up cardiovascular incluirá o ECG e o ECOCARDIOGRAMA para afastar HVE, o TE para afastar isquemia silenciosa e os exames laboratoriais de rotina para HAS e DM, incluindo HB glicada e glicemia pós-prandeal, proteinúria de 24h e Clearance de Creatinina 24h.
d)   Senhor, só pela sua idade, o senhor já tem um risco cardiovascular elevado. Assim, além do ECG, ECOCARDIOGRAMA para avaliar HVE vamos realizar uma cintilografia miocárdica para avaliar a isquemia miocárdica e os exames laboratoriais de rotina, acrescidos de uma PCR ultrassensível.

O que deveria fazer?

Concordo com ambos. Mais uma vez nos deparamos com mais um PARADIGMA – a do Check-up Cardiovascular, que vai ao encontro do que Luis Cláudio costuma chamar de MENTALIDADE DO MÉDICO ATIVO.
A medicina preventiva baseada em evidências hoje é uma premissa da prática médica, visando diagnóstico precoce e tratamento de doenças graves como Câncer o que implica em mudança prognóstica pelo tratamento mais precoce, mas também modificação de morbi-mortalidade por doenças tratáveis como doenças infecto-contagiosas crônicas (Tuberculose, HIV) e doenças assintomáticas como Hiper ou Hipotiroidismo, HAS, Diabetes Mellitus, IRC, Doença Arterial Periférica (DAP), carotídea e de aorta, Dislipidemia, entre outros.
Apesar das doenças cardiovasculares serem hoje a principal causa de incapacidade e morte, sua prevenção é simples e custo-efetiva. As recomendações atuais para prevenção cardiovascular primária incluem:
- Anamnese e exame físico detalhados em busca de sinais e sintomas cardiovasculares;
- Comorbidades como DM, DLP, DAP, Doença aterosclerótica carotídea e outros.
- Avaliação da capacidade funcional global (Atividades de vida diária e atividades instrumentais de vida diária) e grau de atividade física (para excluir sedentarismo).
A AVALIAÇÃO CARDIOLÓGICA de Check up (DIAGNÓSTICA PARA PREVENÇÃO PRIMÁRIA) resulta na ESTRATIFICAÇÃO CLÍNICA DO PACIENTE ASSINTOMÁTICO COMO SENDO DE BAIXO, MÉDIO E ALTO RISCO de eventos CARDIOVASCULARES. A partir desta, definimos suas METAS de ACOMPANHAMENTO e TERAPÊUTICA, quando indicada pela avaliação clínica inicial.

Além disso,as evidências atuais tanto para Doença Coronariana Crônica assintomática (COURAGE TRIAL, DIAD TRIAL, STICH TRIAL), como para Doença Cerebrovascular (US Preventive Services Task Force) de que investigação ativa de isquemia ou doença não-obstrutiva não reduz eventos cardio e cerebrovasculares ou mortalidade.

Desta forma, pacientes assintomáticos devem sim fazer avaliação cardiovascular de rotina para avaliação de risco, através de:

- História clínica (em busca de sintomas cardiovasculares não relatados pelo paciente ou interpretados como próprios da idade);
- Antecedentes pessoais (comorbidades que aumentem o risco cardiovascular (HAS, DLP, DM, uso de corticosteroides, reposição hormonal nas mulheres, história de DAC precoce na família em pacientes jovens, doença tiroideana);
- Estilo de vida e hábitos (sedentarismo, tabagismo – carga tabágica, etilismo);
- Exame físico em busca de alterações nos pulso, PA, sopros cardíacos, B4, sopros carotídeos, diferencial de pressão nos mmii/mmss (Indice tornozelo-braqueal = ITB);
- Exames laboratoriais de rotina (Glicemia de jejum, CT e frações, Triglicerídeos, TSH -> notadamente em mulheres idosas onde a frequência de hipotireoidismo subclínico é da ordem de 6%, função renal);
- ECG de 12 derivações e Rx de tórax.

Os demais exames cardiológicos devem ser solicitados conforme a presença de sintomas, afinal são eles que dem ser tratados e não a MENTALIDADE do MÉDICO.

Mudemos nossas posturas, para uma postura mais serena e objetiva, que busca o melhor PARA O PACIENTE, incluindo-o nas discussões e propostas de diagnóstico/tratamento, mostrando-lhe o que é EFETIVO e EFICAZ. Que nem sempre TRATAR OU INVESTIGAR TUDO faz diferença. Mas estratificar RISCO e REDUZIR ESTE RISCO, principalmente com MUDANÇA DE ESTILO DE VIDA, CONTROLE DA PA, DO DM e DA DLP, além do abando do tabagismo e etilismo.


Lembremo-nos sempre da máxima: LESS IS MORE.

Até a próxima postagem.

Marcia Cristina.

Marcia Cristina

3 comentários:

  1. Não faz sentido solicitar pesquisa de isquemia (TE ou Cintilografia) em paciente assintomático. Aliás, faz sentido do ponto de vista mercantilista. Aos 78 anos, há uma boa probabilidade de que qualquer pessoa tenha doença coronária obstrutiva. Porém a ausência de benefício de qualquer procedimento intervencionista no paciente assintomático exclui o sentido da pesquisa ativa de doença coronária.
    Esse paciente precisa de um perfil lipídico, esta avaliação pode indicar a utilização de estatina. Isto sim reduz risco cardiovascular.

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  2. Parabenizaria o paciente e o mandaria de volta ao seu geriatra, mantendo seus hábitos saudáveis. No surgimento de sintomas faria uma reavaliação da estratégia.

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